Da lista de fim de ano

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Hoje eu decidi rasgar minha agenda. A lista com todos os meus planos pra 2016 já não significa nada.  Na virada de ano, todos olham para o céu, fazem pedidos, abraçam amigos. Cabeças erguidas que pensam ter a vida sob controle. Ah, se elas soubessem que não precisavam de tanto.

Típicas matérias de fim de ano mostram pessoas frustradas com o que não conseguiram. Quase nunca cumprimos todas as metas de nossa pequena lista, mas insistimos na ideia de que no próximo ano tentaremos de novo. Acreditamos que, desta vez, faremos dar certo.

Lembro-me que quando criança, costumava comprar chiclete pra tentar controlar minha ansiedade. Aprendi a almejar certos padrões de vida. Inundei-me da miragem dos “finais felizes”, mas me recusei a acreditar que as decepções, muitas das vezes, são mais dolorosas na realidade. Que louco é não poder controlar tudo isso.

Mas hoje eu descobri o milagre da mente. Podemos fazer o que quisermos, quando sabemos onde queremos estar. Não podemos projetar nosso futuro, mas podemos correr atrás daquilo que nos faz feliz, pelo menos no momento.

E nessa segunda semana de fevereiro, olho para o céu da varanda de casa. Através dos planos que vi serem destruídos, hoje admirei pela primeira vez a beleza do inesperado. O vulto do que vi na passagem de 2015 agora me parece opaco, quase que sem sentido. Acho que me confundi naquela noite tentando olhar para um céu de espetáculos.

Hoje, olho para o alto e vejo estrelas. Contento-me com os mistérios que elas já têm por natureza, sem serem ofuscadas por luzes e fogos de artifícios. Ainda é início de fevereiro, mas já larguei dessas bobagens.

A.

* Foto: Reprodução internet.

Casa

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O mundo se desfaz em lágrimas lá fora. E como essas chuvas de janeiro, você me fez voltar pra casa. Penso, inocente, que aqui me acolherei do frio, mas pelas brechas da janela você insiste em me visitar.

Posso quase te ver, daqui, encostada na cabeceira do meu quarto.  Entendi o contorno de sua silhueta na porta de minha casa, e me pergunto a que horas você decidirá entrar.

Já faz tempo que não nos ouvimos. Permito preocupar-me novamente com você. E nestes desvaneios, você  me rouba a realidade e me traz de volta pro passado, tão nosso quanto mentira.

Sei que você não vai abrir a porta. Nunca encontraria uma boa razão pra justificar sua vinda. Nesse tempo, nessas horas. E com o vulto que se desfaz da janela do meu quarto, encontro-me novamente sozinha. Ouvindo a chuva e fazendo parte dela.

O amor mata lentamente.

A.

* Foto: Reprodução internet.

Do que se espera pra viver

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Todo mundo tá querendo mudar de vida. Os que querem entrar numa faculdade e os que estão desistindo da mesma; os que estão fugindo da crise e os que vão pro shopping pra esquecer dos problemas; os que querem rodar o mundo e os que procuram um cantinho só seu.

Certa vez, estive conversando com um amigo que resolveu largar tudo e se mudar pro exterior, “tentar uma vida num país desenvolvido”, segundo ele. Outro me disse que abandonaria a faculdade: faria um concurso público e então não se preocuparia com desemprego.

Vezenquando me adianto pra chegar no trabalho. Sentada na beirada do chafariz da praça, permito-me contar as horas e percebo o movimento do qual me resgatei. Para além dos que se apressam, encontro um senhor sentado num banco sob as árvores, acompanhado de dois cachorros. Reconheço sua boina verde escuro de algum lugar e, com certeza, aqueles cachorros eu já vi por lá. Certamente ele vem aqui outras vezes pra passear com os bichinhos. E este chafariz? Nunca tinha percebido que lhe faltava água. Tampouco que a árvore perto do semáforo dá flores pros que passam. Imagine que louco seria se eu me encontrasse todo dia por aqui…

Mas nos demais dias, o tempo já não tá pra brincadeira. O trânsito me esgota, meus compromissos me implodem. Vejo o vulto de pessoas; de olhares; de sonhos. É tudo sombra. Olho para os lados e não encontro os satisfeitos.

A.

* Imagem: Reprodução internet.

Desvaneios

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Ah, o poder das palavras. Sufoco-me com as que não posso dizer e faço delas minhas aliadas no meu rumo ao “vamos ver”.

Guardei para mim o que considerei especial. Acabei com a essência de quase tudo o que não pude compartilhar. Ah, se dizer fosse tão fácil…se houvesse no outro a empatia do entender.

Com o tempo descobri que as melhores inspirações vêm da tristeza e que o tempo nem sempre cura tudo. Acostumei-me com despedidas e já não espero, nem quero, ser salva.

Sou protagonista pela primeira vez de um filme com roteiro frustrado. Antes fosse sem roteiro.

A.

* Foto: Reprodução internet.

Ao amor que se foi

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“É melhor você ir”, eu disse ao me afastar. Exitante, você consente com a cabeça e me dá as costas. Fecho os olhos para não te ver partir, mas posso sentir teu corpo se afastando, como um paciente que sente a agulha em sua pele anestesiada. Ouço a porta se fechar, mas não entendo porque você não está mais lá. Você sempre volta. Você sempre insiste.

Vezenquando volto a pensar em você. Me lembro do teu último olhar, tão sério e conflitante, que me revelou a tristeza que sua boca nunca pronunciou. Você dizia que estava acostumado com minhas crises, e que divagações demais acabariam por tirar as cores do meu dia. Ah, meu amado, você não sabe? Sempre te disse adeus porque eu sempre soube que ele estava lá.

E a quem tanto me cedeu, expus o que me resta para não me despedaçar. Te guardei num envelope as palavras para cada ano em que vivemos entre as paredes do nosso quarto. E por cada luz que acendeu teu olhar e por cada graça que fez teu sorriso torto me alegrar, contemplo a beleza de cada dia que fizemos nosso.

Mas hoje, estou anestesiada por tua ausência. Permanecerei no mundo como quem ainda dorme, mas já ouve as nuances da vida ao seu redor. Sinto que sou medo e coragem. Fecho os olhos, e então continuarei entre os dois. É melhor você ir, meu amor, e encontrar em alguém o guarda-chuva amarelo que recusei. Dolorosas lembranças são agora o nosso ‘pra sempre’.

A.

* Foto: Reprodução internet.

Com quantos pensamentos se faz uma noite?

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Sempre me assusto ao pensar na vida. Quando penso em emprego, cursos ou viagens, tudo bem. Mas quando penso na vida, sem contornos ou firulas, me perco em mim mesma. Percebo a fluidez dos tempos em que vivo. Arrisco-me a gritar, mas que louca gritaria a caminho do trabalho? O metrô está cheio. As pessoas estão com pressa. Por que perder tempo? Esperar não é remédio. Agora que você se foi, sinto mais uma vez que não sou nada; que não me basto. Novamente sinto o pesar em meu peito e esse nó na garganta só se desfaz durante o sono. E nas horas que me arrastam, penso em como posso deixar de ser tristeza. Nessa vida que não faz sentido. Sem você. Comigo.

A.

* Foto: Reprodução internet.