Ana sempre sonhou alto. Dessas de imaginar o mundo em suas mãos, acreditava na facilidade com que as coisas aconteceriam em sua vida com o simples mover dos tempos. Ah, a fé. Das conversas dos adultos, ouvia elogios e previsões brilhantes pro futuro. Passou a tirar os pés do chão e ansiou cada dia mais por esse por vir maravilhoso.
Ela estudou pra caramba, entrou pra faculdade, sonhou com a vida pós formatura. Com certeza iria escrever! Lançaria um livro, talvez, e faria do mundo um lugar melhor com as palavras de sua cabeça que por fim respirariam. Mas não aguentava mais a casa e as reclamações de família. Queria a própria casa, pra fazer o que quiser, pra se encontrar com quem ela é.
Ana se casou e agora tem filhos. Deixou seus antigos projetos empilhados na prateleira. Ela olha para eles de relance enquanto faz o café da manhã dos filhos e lembra que um dia vai retirar toda a poeira. Eles, os projetos, ainda vão reluzir de beleza e sonho. Mas Ana não sabia que o tempo agora tem pressa em passar. Então adiou pro amanhã os compromissos da mente.
Sentada no sofá, ela se recorda dos projetos que, uns anos atrás, tirou da prateleira e deu pros filhos. Uma pena eles não terem dado tanta importância, mas essa geração não tem lá a mesma cabeça que a gente quando era jovem, pensava. Mas ela sabia que não tinha do que se lamentar. Deixou de lado sonhos pra viver vida adulta e estava realizada.
Mas, vezenquando, Ana insiste em olhar pra trás. Já não se vangloria pelas conquistas da vida adulta que os vizinhos insistem em elogiar. Nessas vezes, ela sai da poltrona e vai pra rua ver gente e um pouco de mundo, confuso e com pressa – como o tempo que agora aprendeu a respeitar. Sentada no meio fio da calçada, ela lembra das conversas que ouvia e dos sonhos altos no ônibus a caminho da faculdade. Nostálgicos resquícios de futuro do passado. Ana tira os sapatos e sente, enfim, o chão aos seus pés.
* Foto: Reprodução internet.